Páginas

sexta-feira, 7 de junho de 2013

OS NOSSOS SÃO MUITO MELHORES

NOSSA HERANÇA



Nós seres humanos temos a mania de nos apropriarmos do que não é nosso.
Falamos de nossa pátria, nossa cidade, nosso emprego. Mas muitas vezes o bem de que falamos não foi exatamente nosso feito.
Se olhamos para um país com carros diferentes dos nossos,  dizemos, os nossos são muito melhores. Como se nós tivéssemos tido pessoalmente o crédito de tê-los criado.
Nossa terra, nosso país, nosso céu que tem mais estrelas, nossa mata que é mais verde são motivos de nosso orgulho, mas o que fizemos para ter isto na melhor forma?
Quando visitamos uma cidade pequena e nos deparamos com o pequeno shopping, imediatamente pensamos no grande e  gigantesco shopping de nossa cidade e já falamos que o de nossa cidade é muito melhor. Como se nós mesmos tivéssemos construído o tal shopping. Talvez até expressemos, que coisa pequena, os shoppings na minha cidade são muito maiores, tem muitas lojas, tem cinemas, tem muita gente, como se o morador da cidade grande tivesse um shopping particular dele, e o morador da cidade pequena não tivesse esta condição privilegiada. Mas nenhum dos dois foi responsável em determinar o tamanho, ou de contruir esta coisa. Na verdade é só na cabeça do ser humano esta pretensão, seja shoppings, aeroportos ou qualquer outra coisa. Minha escola, meu carro, minha seleção de futebol, etc.
Isto não é diferente com os jovens.
Criticam os mais velhos devido aos costumes aparentemente ultrapassados destes. Mas pensando bem, quem produziu , preparou e deixou este mundo do jeito que está para o jovem? As boas e as péssimas coisas.  O jovem domina a tecnologia e critica o atraso de velhos tempos. No entanto qual foi exatamente a contribuição deste jovem para que surgisse tal avanço, senão a presença dos mais velhos criativos, estudados e dispostos a legar aos mais novos suas criações? Quando o jovem nasceu, a coisa já existia, graças a alguns de mais idade que estudaram, lutaram, implantaram, fizeram nascer idéias e as concretizaram, e deixaram para uso dos que ainda viriam a habitar a terra. Mas agora o jovem se vangloria de usar melhores artefatos, avanços tecnológicos que simplesmente apareceram na vida dele prontos para uso. Ele só aprendeu a usá-los.
De novo o jovem critica a maneira de falar, pois está ligado nas gírias da hora. O jovem não criou nada, herdou a linguagem culta por meio dos professores de mais idade, assim como as gírias produzidas em geral por adultos de mais idade, uma vez que mesmo as gírias seguem uma lógica da linguagem do momento. Nada surge do nada. Daí o jovem apreende, assimila e passa a usar sem questionar muito sua origem ou sua aplicabilidade real a uma língua culta, mesmo porque gírias de qualquer época são assim, apenas palavras sem sentido dentro de um contexto totalmente diferente da mesma. Mas são necessárias e inevitáveis, contribuem para a identidade de um grupo, de um povo ou de uma comunidade. O jovem as capta, e usa, mas não produz, apenas repete o que ouve. E se orgulha, e arroga ter como se fosse sua  criação e porque não, acompanhada de um certo ar de superioridade, pois o mais velho se presta a não entender por estar por fora das novas modas da linguagem.
São muitas as coisas que defendemos como nossa, que aprendemos de outros. Provavelmente muitas das lições que ensinamos aos filhos são herdadas de nossos pais, mesmo que nem nos lembremos destas por sermos muito pequeninos na época. Cada vez que estivemos em contato com um outro ser humano, nosso cérebro aprendeu alguma coisa sem que nós percebêssemos. Às vezes estamos defendendo uma ideia como se fosse nossa, como se tivéssemos feito extensa pesquisa, mas não nos lembramos de perguntar a nós mesmos se um dia ouvimos alguém falando a respeito seja uma pessoa, seja televisão, professores ou algum transeunte em nossa vida. Ouvimos alguém falar, assimilamos sem estar totalmente conscientes disto, acrescentamos nosso tempero e lançamos a ideia como se fosse nossa.
Por outro lado talvez notemos uma pessoa defendendo uma ideia e nos lembramos que tempo atrás, ou anos, nós conversamos com aquela mesma pessoa sobre aquele assunto e que ela está agora mesmo passando para outros como se fosse sua tese. Não é originalmente sua, e certamente não foi nossa criação, apenas fomos repetidores da mesma.
Em nossa vida, quase tudo que temos, recebemos pronto de outros. Isto e ótimo, porque toda produção humana, nunca é produto de um ser só, é está disponível para todos.
Mas eu pensei agora numa produção artística, numa musica ou numa invenção em particular e quase tive certeza que foi criação de uma única pessoa num dia de grande inspiração. O que realmente aconteceu foi que aquele autor, muito embora tenha, num lance de iluminação inspirativa criado algo, seu cérebro juntou ideias de sua vida inteira, repetiu partes, ajustou outras, repetiu frases, usou um principio criativo de que tivera contato em algum momento anterior em sua vida mesmo que ele nem se lembre. Criamos muito pouco, repetimos muito, acrescentamos ideias novas e isto já é maravilhoso. Ninguém cria do nada. Em praticamente sua totalidade, pessoas que criam arte, musica, pintura, livro, teatro, ou pessoas que fazem girar as indústrias com novas tecnologias estudam bastante para entender seu campo de atuação, e daí, quando produzem ideias “novas”, nem são assim tão novas, mas ajustes, releituras, adaptações com algumas novidades acrescentadas.
 A nossa cultura, nosso jeito de ser, de falar, de se vestir, de comer, de cantar é herança de nossos antecessores. Mas toda cultura se transforma através dos tempos, e conta com a contribuição de cada um que ali vive. Até mesmo pequenas partes de outras cultura são inseridas conforme pessoas de fora se instalam entre nós. Daí, defendemos nosso modo de ser como se fosse sempre o melhor, como se pessoalmente fôssemos os idealizadores de nossa cultura.
 Aqueles que são considerados belos em nossa sociedade são elogiados, às vezes até venerados na mídia. Na escola, quando considerados belos, são alvo de pretendentes diversos. A família fica orgulhosa da criança ou jovem bonito. Espera-se que a pessoa bonita ache outra pessoa bonita para se relacionar e casar. A própria pessoa considerada por outros tão bela começa a se achar merecedora de algo mais, como se isto lhes desse algum status. Mas a bem da verdade, além de cuidados óbvios e necessários, comuns a bonitos e feios, a pessoa herdou sua beleza e não foi por merecer que recebeu tal dádiva, ainda que esta varie de cultura para cultura.  Mesmo que haja unanimidade em achar tal pessoa bela, não foi ela que se fez bela, não foram seus pais que souberam conceber uma pessoa bela. Simplesmente foi dádiva divina, ou da natureza, ou dos genes e algum cuidado pessoal também. Por isto mesmo que, embora a sociedade leve em tamanha conta a beleza, por bem da valorização humana como toda, devemos nos concentrar nos valores mais sublimes do ser, nas qualidades interiores de amizade, compaixão, compreensão, bondade, enfim que torna a pessoa bonita sob um novo olhar, uma visão de valores soberanos que superam a beleza física que é passageira.
Ao nos apropriarmos de ideias, nos arrogarmos de bens de nossa cidade, de nossa cultura, vivemos uma ilusão. É necessário que seja assim, pois assim como pertencemos ao meio, este pertence a nós ao mesmo tempo. Mas a ilusão, nós vivemos quando, diante de outros, nós defendemos estes como sendo melhores por ser nossos de alguma maneira sem termos feito muito para sua criação e manutenção.